Boletim Eletrónico APECA n.º 22 (Abril/2019)

Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA:

"VANTAGENS ACESSÓRIAS vs. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA”

Caraterização e tipificação
A definição cabal de vantagens acessórias (fringe benefits), pecuniárias ou em espécie, permanece distante no horizonte, subsistindo a carência da sua concretização, sobretudo, face à controversa distinção entre os rendimentos complementares, objetos de tributação, e, as regalias sociais e outras importâncias,  isentas ou não sujeitas, atribuídas pelos empregadores aos seus colaboradores e/ou membros dos órgãos sociais. Todavia, é possível enunciar caraterísticas transversais ao universo desta realidade, designadamente, a sua qualificação como benefício para o trabalhador e encargo (direto ou indireto) para a entidade empregadora, a evidência de vantagens fiscais para ambas as partes, bem como a aferição da sua prática corrente nos diversos setores de atividade (públicos e privados).


Modalidades de tributação

O regime de tributação dos rendimentos acessórios instituído, grosso modo, pelos Estados-membros da OCDE, incide sobre o beneficiário efetivo, sendo, por norma, classificados como encargos dedutíveis na determinação do lucro tributável do empregador. Não obstante, Portugal, tal como a Austrália e a Nova Zelândia, representam exceções à regra, devido à conceção e implementação de um sistema dual, tributando, sempre que possível, o beneficiário, e, aquando a impossibilidade da sua fidedigna identificação, é a própria entidade empregadora o alvo da tributação (no caso português, inicialmente: imposto extraordinário sobre algumas despesas das empresas, posterior e atualmente: tributação autónoma). A este propósito, cumpre assinalar, também, que três ex-colónias portuguesas (Angola, Cabo Verde e Moçambique), importaram, não ipsis verbis, e, com as necessárias adaptações, o regime de tributação autónoma vigente no sistema fiscal português.
O estabelecimento deste regime de tributação alternativo advém da necessidade de suprir constrangimentos na identificação do beneficiário, avaliação e fiscalização das vantagens acessórias, aferição da real afetação (uso pessoal vs. empresarial) dos encargos reconhecidos na contabilidade das empresas, e, também, de minorar os avultados encargos administrativos suportados pela Autoridade Tributária. Como é evidente, quanto mais gravosa for a tributação do rendimento, maior será a procura de esquemas de planeamento fiscal para reduzir, ou dissipar, impostos, constituindo o mecanismo dos rendimentos acessórios uma solução deveras interessante. Com efeito, urge a redução das taxas de tributação do rendimento pessoal e o alargamento da base tributável, pois, deste modo, será possível desincentivar práticas de fraude e evasões fiscais, assim como concretizar um sistema fiscal mais justo e eficaz, na senda da equidade horizontal e vertical. Ademais, é evidente a prossecução desta estratégia, por grande parte dos Estados-membros da OCDE, desde a reforma fiscal da década de 1980.


Génese
As tributações autónomas, propriamente ditas, foram introduzidas, no sistema fiscal português, em 1990, apesar de a sua criação remontar ao ano de 1983, ainda durante a vigência do Código da Contribuição Industrial, sob a forma de imposto extraordinário sobre algumas despesas das empresas.


Essência
O regime das tributações autónomas visa, portanto, desincentivar (norma anti abuso) a  atribuição de vantagens acessórias menos onerosas fiscalmente, a distribuição camuflada de lucros e o reconhecimento contabilístico de despesas suscetíveis de afetação ao uso pessoal ou ilegítimas à prossecução das atividades económicas ou estatutárias. Este tipo de tributação assenta na presunção do nexo empresarial parcial de determinadas despesas, bem como na ficção de rendimentos de terceiros. A ausência de transparência fiscal declarativa, protagonizada pelos sujeitos passivos, sustenta a opção da tributação da entidade empregadora, ao invés do beneficiário, mesmo quando obtido prejuízo fiscal.


Classificação
À luz da legislação vigente, a tributação autónoma é caraterizada como imposto direto, real e de obrigação única. Todavia, apenas se afigura assertiva a sua qualificação como imposto instantâneo. No concernente às restantes duas vertentes, a sua classificação como figura tributária híbrida parece ser a mais racional, dado que, por um lado, tributa formalmente despesas (imposto indireto) e materialmente rendimentos (imposto direto) de terceiros (substituição tributária), por outro, apresenta-se como elemento de tributação real num imposto “puramente” pessoal (IRS).


Legalidade
Não obstante a tributação autónoma se caraterizar como uma entorse ao princípio de tributação do rendimento pelo lucro real, a sua legalidade parece salvaguardada pela Constituição. Ademais, como não reúne as caraterísticas do IVA, não pode ser qualificada como imposto sobre o volume de negócios, razão pela qual a jurisprudência valida a sua compatibilidade com o Direito Comunitário. Todavia, importará aferir a licitude da mutação de imposto extraordinário para ordinário.


Racionalidade
Incompreensível é, também, a divergência de tratamento nos Códigos de Impostos sobre o Rendimento (CIR), sendo o regime previsto em IRC, regra geral, mais penalizador. De acordo com os princípios da equidade e da neutralidade fiscal, tal irracionalidade, infere dúbia legalidade.


Evolução
Como é evidente, a evolução não pressupõe, necessariamente, progresso, constituindo o fenómeno da tributação autónoma a confirmação de tal premissa, mormente, face ao acentuado desvio da sua essência, via instrumentalização para arrecadação de receita. Efetivamente, tal figura, tem permitido a redução da taxa nominal de IRC, e, simultaneamente, a compensação da respetiva receita.


Localização
Quanto à localização das tributações autónomas, considera-se inadequada a sua inclusão nos CIR. Deveria, sim, constar em diploma autónomo, à semelhança do seu primórdio, imposto extraordinário sobre algumas despesas das empresas. Alternativamente, este regime de tributação poderia figurar numa tabela anexa aos CIR, plenamente harmonizada, sob a designação, p. ex., TGTAIR (Tabela Geral das Tributação Autónomas dos Impostos sobre o Rendimento).


Tipologia
Relativamente à tipologia das TA, é possível identificar três grupos:encargos suportados; encargos dedutíveis; e lucros distribuídos.


Territorialidade
Importa, também, evidenciar que a problemática da territorialidade foi, finalmente, esclarecida pela Reforma do IRC de 2014, passando a determinar que as taxas de tributação autónoma não incidem sobre encargos de estabelecimentos estáveis sitos fora do território nacional, nem sobre a atividade desenvolvida por intermediários.


Conclusões, considerações e desafios
Não obstante a legítima formulação do juízo de que a realização de despesas alvo de tributação autónoma se consubstancia num extraordinário encargo fiscal para os sujeitos passivos, na verdade, estamos perante um mito, dado que, grosso modo, este é repercutido ao beneficiário, no âmbito negocial do “pacote” salarial.

Será recomendável, portanto, proceder a uma reflexão, discussão e revisão do fenómeno da tributação autónoma no sistema fiscal português, com o escopo de instituir um regime de tributação das vantagens acessórias mais justo e eficaz, plenamente harmonizado, não apenas, intra-CIR, como também, inter CIR-CIVA.

Considera-se pertinente, também, lançar o desafio sobre a utilização da tributação autónoma como imposto, verdadeiramente, ecológico, para além de norma anti abuso. Tendo como referência o agravamento das taxas para as viaturas mais poluentes, como, também, a “taxa” Robim dos Bosques, seria interessante utilizar a tributação autónoma como benefício e/ou penalização fisco-ambiental. Como exemplo, sugere-se o seu agravamento para setores de atividades, assim como para sujeitos passivos que optem por re(investir) em ativos, mais poluentes. Por outro lado, os sujeitos passivos que adotem comportamentos, assim como re(investimentos) em ativos, mais ecológicos, poderiam usufruir de isenção, ou redução, de taxas, ou, então, aproveitar, por dedução à coleta, o montante pago a título de tributação autónoma, como benefício fiscal, à semelhança do que sucede, p. ex., com o DLRR.

Por fim, recomenda-se a instituição do critério tributação autónoma, para efeitos de agravamento e redução das taxas, assim como no âmbito da sujeição ou exclusão. Como ponto de partida, será recomendável atentar ao New Zeland Fringe Benefits Guide, o qual estabelece diversas exceções (gerais e parciais). Considera-se, igualmente, interessante a peculiar norma, vigente no regime tributário cabo-verdiano, sobre os encargos suportados com viaturas, por sujeitos passivos cuja natureza das operações determina não sujeição de tributação autónoma.

Da discussão nasce a luz e todos os contributos são bem-vindos.
Seguimos juntos!

Carlos Lemos
28/abril/2019

Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA: "VANTAGENS ACESSÓRIAS vs. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA”

Publicado no Boletim Eletrónico APECA n.º 22 (Abril/2019)


Boletim Eletrónico APECA n.º 22 (Abril/2019)