Boletim Eletrónico APECA n.º 24 (Junho/2019)

Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA:

"O TRATAMENTO CONTABILÍSTICO-FISCAL DO VALOR RESIDUAL DAS VIATURAS”

A NCRF 7 e o ∫7 da NCRF-PE estabelecem que o não reconhecimento do valor residual, nomeadamente, das viaturas, configura um erro contabilístico. Se atentarmos ao ∫51 da NCRF7 e ao ∫7.17 da NCRF-PE depreendemos que o valor residual e a vida útil devem ser revistos, pelo menos, no final de cada período económico. Por seu turno, o ∫53 da NCRF7 demanda que a quantia depreciável de um ativo é determinada após dedução do valor residual. Todavia, verifica-se que a NC-ME é omissa a tal figura. Com efeito, não é justificável a ausência de reconhecimento, na contabilidade, do valor residual das viaturas, dada a possibilidade da sua determinação, com fiabilidade, através da consulta do mercado ativo de comercialização de automóveis usados. Incompreensivelmente, tal prática, não se verifica na generalidade das empresas, uma vez que o seu reconhecimento, no caso de viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias N-1, com valor de aquisição superior ao limite legal, plasmado na portaria n.º 467/2010, de 7/7, pode traduzir-se em interessantes vantagens fiscais: redução da tributação autónoma, em face da diminuição das depreciações praticadas; e minoração da depreciação não aceite fiscalmente como gasto, correspondente ao excedente do limite legal, previsto na supracitada portaria, por força da alínea e) do n.º 1 do art.º 34º do CIRC, cujo montante deverá ser acrescido no campo 719 do Q.07 da mod.22/IRC.

Todavia, as vantagens fiscais enunciadas não se verificam nos contratos de renting, cfr. iv proc. 2011004399 e respetivo aclaramento, iv proc. 2012003690.

Importa notar que o reconhecimento do valor residual não reduz as taxas de tributação autónoma, dado que, as mesmas, são fixadas em função do custo de aquisição das viaturas. Diminui, sim, a respetiva base de incidência, através da redução das depreciações praticadas, em IRC, e, das depreciações dedutíveis, em sede de IRS.

Como é evidente, a adoção da taxa de depreciação mínima, correspondente a metade da respetiva taxa máxima, resulta num aumento das vantagens fiscais assinaladas. Não obstante a tributação autónoma incidir sobre as depreciações praticadas, em IRC, ao invés de tributar apenas as depreciações aceites fiscalmente, como sucede em IRS, o valor depreciável será menor se reconhecido o valor residual, dado que, cfr. previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 31º do CIRC e na al. b) do n.º 5 do art.º 2º do DR n.º 25/2009, de 14/9, para efeitos de determinação do valor depreciável, deduz-se o valor residual. Com efeito, conclui-se que a adoção da taxa de depreciação mínima (12,5%) ao invés da máxima (25%) determina uma vantagem fiscal, meramente, temporal, isto é, a tributação autónoma global, e, o montante acrescido ao lucro tributável são, exatamente, os mesmos, a final.

Por seu turno, o reconhecimento do valor residual das viaturas ligeiras de passageiros, bem como das viaturas ligeiras de mercadorias designadas por N1, produz vantagens bem mais significativas. Porém, tal reconhecimento, neste tipo de veículos, não produz somente vantagens fiscais. Importa, pois, sublinhar que podem derivar, simultaneamente, desvantagens fiscais, aquando da determinação das mais ou menos-valias fiscais, nomeadamente, em face da sua alienação:

i) Aumento da mais-valia fiscal apurada, dado que, atendendo à disposição da al. b) do n.º 2 do art.º 31º do CIRC, a qual prevê a possibilidade de dedução do valor residual na determinação das depreciações fiscalmente aceites, sendo estas inferiores às que seriam em caso de não reconhecimento do valor residual, verifica-se, portanto, um agravamento na mais-valia fiscal obtida;

ii) Aumento da menos-valia fiscal não dedutível, a qual deverá ser acrescida no campo 752 do Q.07 da mod.22/IRC. Conforme referido, o reconhecimento do valor residual determina, igualmente, uma diminuição das depreciações praticadas, as quais são consideradas para efeitos do cálculo das mais e menos-valias fiscais das supracitadas viaturas com valor de aquisição superior ao limite legal. Com efeito, sendo apurada uma menos-valia fiscal superior àquela que seria determinada no caso do não reconhecimento do valor residual, o montante correspondente à menos-valia fiscal não dedutível será maior.

Os problemas surgem, também, quando referidas viaturas continuam afetas à atividade empresarial, gerando benefícios económicos futuros, após o período correspondente à última depreciação, restando, por isso, apenas, o valor residual.     Ora, atendendo ao facto que o último ano de depreciação foi referência para determinação      do valor residual reconhecido na contabilidade, e, tendo em conta, também, que o mesmo deve ser revisto, pelo facto de o último ano de utilização ser posterior àquele a partir do qual o valor residual foi determinado, urge responder a, pelo menos, duas questões.

i) O que deve ser feito a nível contabilístico?
Deverá reconhecer-se uma alteração à estimativa contabilística do valor residual, produzindo apenas efeitos prospetivos, cfr. disposto nos ʃʃ27 a ʃʃ31 da NCRF 4, ʃʃ6.8 a ʃʃ6.10 da NCRF-PE e ʃʃ6.6. a ʃʃ6.8. da NCM.

ii) E do ponto de vista fiscal, qual o tratamento adequado?
Tendo em conta que a tributação autónoma foi calculada com base num valor depreciável inferior ao real, dado que o mesmo foi obtido a partir de um valor residual superior ao efetivo, deverão ser submetidas declarações mod.22              de substituição, relativamente a cada período económico da vida útil de tais viaturas, devendo ser efetuado, simultaneamente, o pagamento do IRC que deixou de ser pago, não apenas quanto à componente tributação autónoma, mas também relativamente à coleta e derrama, uma vez que o montante acrescido, referente ao montante de depreciação excedente do limite legal, e, por conseguinte, não aceite fiscalmente, foi inferior ao que deveria ter sido considerado? Parece legítimo concluir-se que tais correções deverão efetuar-se, também, prospetivamente.

Importa referir, ainda, que não se vislumbra qualquer impedimento ao reconhecimento do valor residual, de tais veículos, quando integrados no património da empresa em períodos económicos anteriores.

Impera atentar, também, às instruções administrativas sobre o valor residual na depreciação das supracitadas viaturas, divulgadas através do ofício circulado n.º 20.203,   de 2019-01-25,  pela Subdiretora-Geral do IR e das Relações Internacionais, com especial enfoque para a determinação do valor residual “ajustado”, ou proporcional, a considerar para efeitos fiscais, o qual representa uma vantagem para o sujeito passivo, na medida em que permite reduzir o montante a acrescer, na mod.22/IRC, a título de depreciação não aceite fiscalmente. Como é evidente, o conteúdo das assinaladas instruções deveria figurar, quer no CIRC, quer no DR n.º 25/2009. Não obstante, congratula-se a partilha deste procedimento.

Da discussão nasce a luz e todos os contributos são bem-vindos. Seguimos juntos!

Carlos Lemos
27/junho /2019


Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA: "O TRATAMENTO CONTABILÍSTICO-FISCAL DO VALOR RESIDUAL DAS VIATURAS"

Publicado no Boletim Eletrónico APECA n.º 24 (Junho/2019)


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