Boletim Eletrónico APECA n.º 50 (Agosto/2021)

Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA:

“A PROPOSTA DE REGULAMENTO DOS SUBSÍDIOS ESTRANGEIROS E RESPETIVAS DISTORÇÕES NO MERCADO ÚNICO”

No dia 5 de maio do corrente ano, a Comissão Europeia apresentou, conjuntamente com o relatório de avaliação do impacto, a proposta de implementação de novos mecanismos para mitigar os efeitos distorcivos provocados por subsídios estrangeiros no Mercado Único, dado que, contrariamente ao rígido escrutínio incidente sobre as subvenções concedidas pelos Estados-Membros, os auxílios concedidos por governos externos permanecem, grosso modo, sem qualquer controlo. Tal proposta, surge, portanto, como consequência da adoção, em 17 de junho de 2020, do Livro Branco sobre Subsídios Estrangeiros (White Papper on Foreign Subsidies) e de um amplo processo consultivo, ante das partes interessadas, com o escopo de suprir a incomportável lacuna. Apesar de as normas comunitárias sobre a concorrência, os contratos públicos e os instrumentos de defesa comercial desempenharem um papel capital na salvaguarda das justas condições de operacionalização no Mercado Único, não se verifica a sua aplicação no âmbito dos subsídios em análise. Como é evidente, este tipo de ajudas pecuniárias pode ser atribuído sob a forma de garantias estaduais ilimitadas, empréstimos sem juro e outros financiamentos abaixo do custo, subsídios financeiros diretos, bem como acordos de tributação zero (ou não tributação), fomentando a fruição, por parte dos beneficiários, de iníquas vantagens na aquisição de empresas na UE, na participação em contratos públicos comunitários, assim como no envolvimento em outras atividades comerciais intra-UE.

Impera sublinhar que, caso sejam aprovados os termos apresentados, a Comissão passará a dispor do poder de investigar as contribuições financeiras, disponibilizadas por entidades públicas estrangeiras em benefício de operadores económicos da UE, com o propósito de reparar eventuais efeitos de distorção. Com efeito, o Regulamento propõe a introdução de três mecanismos:

1. Ferramenta baseada em notificação para investigar as concentrações que envolvam um apoio financeiro de um governo externo, em que o volume de negócios intracomunitário da empresa a ser adquirida, ou pelo menos uma das partes na fusão, é igual ou superior a 500.000.000€ e a subvenção estrangeira é de, pelo menos, 50.000.000€;

2. Dispositivo baseado em notificação para escrutinar as licitações em contratos públicos que envolvam uma assistência financeira de um governo não pertencente à UE, com valor previsional do contrato igual ou superior a 250.000.000€; e

3. Instrumento para investigar todas as outras situações de mercado, pequenas concentrações e procedimentos de contratação pública, através da própria iniciativa da Comissão, sendo admissível, inclusive, a solicitação de notificações específicas para o efeito.

Ambos os mecanismos fundados via notificação determinam a prévia comunicação, por parte do adquirente ou licitante, de concentrações empresariais ou contratos públicos enquadrados nos enunciados limites, de qualquer tipo de apoio financeiro concedido por um governo não pertencente à UE, pelo que, tais operações, apenas poderão ser concretizadas mediante parecer favorável, emitido pela Comissão, no domínio do processo de fiscalização, sendo definidos, inclusive, prazos vinculativos. Ademais, a proposta de Regulamento contempla a faculdade de imposição de multas, bem como a inspeção da transação, quando aferida a ausência de notificação prévia.

Por seu turno, o instrumento geral de investigação possibilita a averiguação de outros contextos de mercado, concentrações e aquisições abaixo dos limiares, perante a suspeição de distorções emergentes de subsídio estrangeiro. Nestas circunstâncias, a Comissão poderá iniciar indagações por dever do cargo (ex officio), bem como requerer notificações ad hoc.

Em suma, a Comissão passará a dispor da competência de equilibrar os efeitos, positivos e negativos, quando determinado subsídio estrangeiro for qualificado como potencial causador de distorções no Mercado Único. Com efeito, quando as consequências negativas excederem os efeitos positivos, poderão ser infligidas medidas de regularização ou aceitação de compromissos corretivos das distorções, designadamente a proibição de comportamentos de mercado ou alienação de ativos. No caso das transações notificadas, poderá ser proibída, ao licitante subsidiado, a adjudicação do contrato público, bem como a aquisição objeto de auxílio financeiro.

Finda a discussão, protagonizada pelo Parlamento Europeu e Estados-Membros, sobre a proposta em epígrafe, no âmbito do procedimento legislativo ordinário, com o propósito de concretizar a redação final, o Regulamento será diretamente aplicável em toda a Comunidade.

Da discussão nasce a luz. Todo o contributo é bem-vindo. Seguimos juntos!

Carlos Lemos
Fiscalista (APECA/AFP/IFA)
26/08/2021


Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA: “A PROPOSTA DE REGULAMENTO DOS SUBSÍDIOS ESTRANGEIROS E RESPETIVAS DISTORÇÕES NO MERCADO ÚNICO”

Publicado no Boletim Eletrónico APECA n.º 50 (Agosto/2021)


Boletim Eletrónico APECA n.º 50 (Agosto/2021)