Boletim APECA edição 133 (2ºSemestre 2022)
Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA:
“TRIBUTAÇÃO DOMÉSTICA E INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS RELACIONADOS COM DADOS/INFORMAÇÃO (BIG DATA)”
O sujeito em análise, originalmente denominado por Big Data and Tax – domestic and international taxation of data driven business, foi um dos principais temas objeto de discussão no 74º congresso da IFA (International Fiscal Association), realizado em Berlim, no início de setembro do corrente ano, tendo sido publicadas as respetivas conclusões no volume 106 dos Cahiers de droit fiscal international.
RELATÓRIO GERAL
Efetivamente, tal problemática, representa um desafio na aplicação dos vigentes princípios jurídicos aos emergentes modelos de negócio. Todavia, até à presente data, não se vislumbra a legislação, ou regulamentação, de qualquer regime específico de tributação das transações de dados, com a exceção dos impostos unilaterais, como é o caso dos incidentes sobre os serviços digitais (DST – Digital Services Taxes).
Foram disponibilizados relatórios, por parte de trinta e sete filiais da IFA, produzidos, com o escopo de suscitar questões práticas, através de quatro estudos de atividades comerciais:
1) Um corretor de dados que paga por informações, não processadas, fornecidas por um host de site de terceiros, transferindo-os para clientes mediante taxa;
2) Uma empresa que fornece dados, processados e estruturados, a outra empresa para a taxa ser exibida no site do pagador;
3) Uma empresa que usa sensores colocados nos equipamentos dos clientes para fornecer análises de desempenho e serviços de reparo mediante taxa; e
4) Um consultor que cria uma base de dados para a sua prestação de serviços, permitindo, a terceiros, acesso ao banco de dados mediante pagamento de taxa.
É consensual que, neste tipo de operações, o cerne da questão corresponde à qualificação para efeitos tributários, pelo que, muitas vezes, a sua apreciação inicia-se com a reformulação do procedimento jurídico e comercial das transações de dados. No concernente aos direitos de autor ou propriedade intelectual, grosso modo, verifica-se a inexistência de dados brutos, e, grande parte das jurisdições não dispõe de uma estrutura legal específica aplicável aos dados, propriamente ditos, exceto na proteção da informação privada (RGPD – Regulamento Geral de Proteção dos Dados).
Apesar da incapacidade em harmonizar todos os relatórios num único quadro, face às variadíssimas abordagens analíticas sobre a problemática da caracterização, é possível delinear, genericamente, algumas conclusões relativamente à sua propensão.
A principal dificuldade, evidenciada pela globalidade dos relatórios, incide sobre a distinção na classificação, de determinada transação de dados, como pagamento de prestação de serviços, royalty da cessão dos direitos de intangível ou venda de imóvel. Cumpre enfatizar que o parecer dominante qualifica, os modelos de negócio em análise, como prestações de serviços, não obstante os distintos percursos ideológicos subjacentes.
Quanto às operações congéneres, importa salientar a ausência de convergência, afigurando-se a caraterização das transações de software, plasmada na Convenção Modelo OCDE, a mais auspiciosa. Apesar de as diversas abordagens e conclusões, evidenciadas nos referidos relatórios, suscitarem a necessidade da conceção de uma configuração metodologicamente singular, a aplicar às transações de dados, a ótica preponderante sugere a aptidão dos princípios vigentes para produzir resultados racionais. Ainda assim, é almejada uma resolução de harmonização internacional.
Em matéria de relações especiais, apesar da inexistência histórica jurisprudencial, a generalidade dos relatos consideram os princípios relevantes, como as Orientações da OCDE sobre os Preços de Transferência ou a legislação nacional, devidamente consistentes para a sua implementação nas operações comerciais relacionadas com dados. A este propósito, importa assinalar os divergentes entendimentos sobre o valor residual. Por um lado, é defendida a alocação aos próprios dados, por outro, é advogada a afetação às funções de estruturação e análise responsáveis pela possibilidade de comercialização.
PORTUGAL
O Relatório da filial portuguesa é composto por uma introdução e seis partes.
A abordagem inicial é realizada através do enquadramento legal, nomeadamente, da proteção jurídica das bases de dados, da transação e exploração do direito sui generis, dos programas de computador e das bases de dados, assim como da inteligência artificial. A primeira parte cuida dos princípios básicos: tipo, fonte e nexo. Consequentemente, a segunda parte debruça-se sobre a aplicação dos princípios dos tratados, sendo partilhada a visão geral, bem como comentários detalhados sobre royalties, prestações de serviços, lucros societários e programas de computador. Por sua vez, a parte três dedica-se ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, quer no âmbito da natureza legal do direito sui generis, quer no respeitante à responsabilidade para efeitos de IRS. A parte quatro também respeita ao imposto sobre o rendimento, mas das pessoas coletivas, sendo enunciados os benefícios fiscais e as obrigações em sede de IRC. Segue-se a quinta parte, a qual se ocupa de relações especiais e preços de transferência. Por fim a parte seis, reservada ao IVA, repartida em cinco áreas: o enquadramento legal, o problema no quadro do sistema comum europeu do IVA, a incidência real e pessoal, a caraterização das atividades desenvolvidas, e as regras de localização para a prestação de serviços de transações de dados.
Sintetizando, é possível definir big data como a prospeção de informação, eletronicamente incorporada, mormente para a prossecução de atividades económicas e de investigação, ainda que as suas finalidades se afigurem deveras extensivas. Em boa verdade, a evolução da tecnologia tem facultado a realização, por parte dos sistemas informáticos, de complexos processos metodológicos, humanamente inexequíveis devido a limitações na rapidez de processamento e na potencialidade de cálculo. A inteligência artificial é, manifestamente, um caso paradigmático, pelo facto de possibilitar o incremento de mecanismos preditivos, resultantes da recursividade de procedimentos, mediante algoritmos para o apuramento de relações causa-efeito e tendências históricas, bem como a utilização de ilimitadas conjugações de informação na senda da solução ótima para a visada meta. Com efeito, a habilidade de gerar conhecimento tem sido crescente, e, também, mais célere e vasta.
Ambos os conceitos (big data e inteligência artificial) criam constrangimentos, não apenas no domínio do direito fiscal, mas sobretudo na esfera do direito autoral. Como é evidente, verifica-se um agravamento das dificuldades, especialmente no âmbito da propriedade, quando o modus operandi de uma máquina, por via da inteligência artificial, cria obras originais.
À luz da legislação portuguesa, encontram-se salvaguardados seis direitos:
1) Direitos dos criadores e fabricantes de software;
2) Direitos autorais de criadores dos bancos de dados originais;
3) Direito sui generis dos investidores e produtores dos bancos de dados, mesmo quando não atendam aos requisitos de proteção como originais;
4) Direitos autorais dos dados operacionais de software;
5) Direito de autor, e sua titularidade, do conteúdo das bases de dados;
6) Direito dos autores de algoritmos e programas (inteligência artificial).
No direito tributário nacional, é possível identificar cinco classes de rendimentos relacionados com transações de dados, designadamente, direitos de autor, royalties, prestações de serviços, lucros empresariais e mais-valias.
Dada a crescente dimensão do conhecimento no processo da criação de valor, o big data e a inteligência artificial representam uma função cada vez mais importante.
Relativamente ao futuro, como é evidente, há sérios motivos de preocupação, não apenas, devido ao incontornável alargamento da escala das operações transnacionais, mas, também, face aos vanguardistas modelos de negócios em curso e a desenvolver. Os desafios são enormes e exigentes, pelo que a fiscalidade continuará a ter dificuldade em acompanhar o avassalador ritmo da evolução tecnológica, e, por conseguinte, em implementar a atempada e adequada tributação da economia digital.
Da discussão nasce a luz. Todo o contributo é bem-vindo. Seguimos juntos!
Carlos Lemos
Consultor Fiscal
15/11/2022
Artigo técnico preparado por Carlos Lemos para APECA: “TRIBUTAÇÃO DOMÉSTICA E INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS RELACIONADOS COM DADOS/INFORMAÇÃO (BIG DATA)”
Publicado no Boletim APECA edição 133 (2º Semestre 2022)